quarta-feira, 22 de abril de 2009

Théophile de Viau (1590-1626): + 2 traduções

Cette femme a fait comme Troie:
De braves gens sans aucun fruit
Furent dix ans à cette proie,
Un cheval n'y fut qu'une nuit.

§

Esta mulher me lembra Troia:
Resiste a dez anos de açoite
Por bravos guerreiros sem dó, e a
Cavalo se abre numa noite.


§§§

Je naquis au monde tout nu,
Je ne sais combien je vivrai,
Si je n'ai rien quand je mourrai
Je n'aurai gagné ni perdu.

§


Nasci completamente nu,
Sem saber quanto vou viver,
Se nada tiver ao morrer,
Não hei de ficar no preju.


o final da versão francesa do primeiro epigrama tem uma sonoridade exemplar: fut q'une nuit. não respondi a assonância mas, em compensação, criei um jogo de ritmo q ñ havia no francês: os dois versos centrais têm um ritmo mais pesado e forte (acentos nas sílabas 2, 5 e 8), enquanto o último verso, q desmonta a resistência da cidade-mulher, tem um ritmo todo desmontado pelo acento na quarta sílaba. o eco do verbo doer em dó, e a e a ambiguidade do verbo abrir-se no último verso apenas seguem aquele tom gregorial q as traduções d ontem já mostravam. // já a tradução do segundo epigrama guarda toda sua graça na última palavra, um quase anagrama da francesa q ocupa seu posto: perdu-preju.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Théophile de Viau (1590-1626)

fiz duas traduções de dois epigramas deste poeta barroco francês. incrível a minha insensibilidade tradutória para perceber a impassibilidade do tom dos poemas: na tradução, em eco, sem dúvida, da poesia de Gregório de Matos, acabei sendo culturalmente impelido (por desatenção e inexperiência) a inserir um traseiro no primeiro e uma mudança para um tom interpelativo no segundo epigrama. de todo modo, uma tradução transcultural. e o prazer de terminar uma tradução assim, nem te conto.

Tu dis que George est paresseux,
Ton discours est peu véritable,
Car il est toujours parmi ceux
Qui sont des premier à la table.

§

Se diz que Jorge é preguiçoso,
No que diz não há firmeza,
Pois ele foi sempre o que pôs o
Primeiro traseiro na mesa.

§§§

Un certain, sans grande raison,
Ecrit au dessus de sa porte:
Par cet endroit en nulle sorte
Le fou ne passe en ma maison.
Il faut donc, dis-je, que le maître
Entre chez lui par la fenêtre.

§

Um indivíduo sem noção
Escreve assim em sua porta:
“Por aqui, por minha mãe morta,
Louco não pisa esta mansão”.
Sendo assim, sem perda de tempo,
Pule a janela e dê o exemplo.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

máquina beleza

É meu peito navio,
São teus olhos o norte,
A quem segue o alvedrio,
Amor piloto forte;
Sendo as lágrimas mar, vento os suspiros,
A venda velas são, remos seus tiros.

lendo o Manuel Botelho de Oliveira (Música do Parnaso, 1705), achei seus Madrigais mais interessantes q a coisa toda. nesse, os tiros ecoam uma violenta experiência do cotidiano das cidades, q se mistura a uma errância subjetiva, labiríntica própria do diaadia. o seguinte tem a solução q adoro do arco-íris sintaticamente esfacelado. [máquina beleza é um sintagma involuntário, bonito, de um verso de Botelho: "Essa de ilustre máquina beleza".]

Se as sobrancelhas vejo,
Setas despedes contra o meu desejo;
Se do rosto os primores,
Em teu rosto se pintam várias cores;
Vejo, pois, para pena e para gosto
As sobrancelhas arco, íris o rosto.

domingo, 19 de abril de 2009

são duas pontas de saudade

o amor, duas esquinas desertas

sem rua que as una, sem

mapa que as refaça – nada

arrefece a dura e bomba

dúvida de ser só: ou ser

dois ou nenhum, eis a que-

rela do coração enquanto,

nulo, faz-se foguete sem

fogo em busca de um beijo

que o abrande: ex-quina.
5abr2oo9

os brancos da beleza (18abr2oo9)

sábado, 21 de março de 2009

eu, vogal de mulher




dizer do rosto, esta
palavra rosto, não diz
o susto que o meu olho ao te ver

da voz, a vez que a ouvi
a boca à deriva, mulher
navegava nela: eu, e

sempre, o que vazava
pela janela, paisagem
dela, vista para o

abismar

domingo, 15 de março de 2009

te vejo, perto, porém não
toco, teu carinho sim, mãos
me teclam e, tanto, perco
palavras lindas (as mais) para
dizer-te: "você é a
palavra que mais amo mas
jamais conheci", diria caso
te conhecesse.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

[é bom não querer um poema que diga tudo, não querer um poema que seja bom, mas, antes, um poema em que se reconheça, sem perder a manha e o prazer de jogar com as palavras.]


louco, amar, mas ir com tudo,
mil e mais braçadas de mar
vencidas, contudo nada
além da pele fresca ao sol
fica de uma fresta de mulher.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009


segue a saga: Jonas e a baleia. um poema de augusto de campos, de 1990: cançãonoturnadabaleia. (aliás, ao q google consta, esta é a primeira postagem pública deste poema.) um fragmento de gilles deleuze, de 1977, em da superioridade da literatura anglo-americana. (a baleia segue errante / agora falante / / a sua perspectiva.)
Sempre há traição em uma linha de fuga. Não trapacear à maneira de um homem da ordem que prepara seu futuro, mas trair à maneira de um homem simples, que já não tem passado nem futuro. Trai-se as potências fixas que querem nos reter, as potências estabelecidas da terra. O movimento da traição foi definido pelo duplo desvio: o homem desvia seu rosto de Deus, que não deixa de desviar seu rosto do homem. É nesse duplo desvio, nessa distância dos rostos, que se traça uma linha de fuga, ou seja, a desterritorialização do homem. A traição é como o roubo, ela é dupla. Fizeram de Édipo em Colônia, com sua longa errância, o caso exemplar do duplo desvio. Mas Édipo é a única tragédia semita dos gregos. Deus que se desvia dos homens, que se desvia de Deus, é antes de tudo o tema do Antigo Testamento. É a história de Caim, a linha de fuga de Caim. É a história de Jonas: o profeta se reconhece pelo fato de tomar a direção oposta àquela que Deus lhe ordena, e com isso realiza a ordem de Deus melhor do que se tivesse obedecido. Traidor, ele tomou o mal sobre si. O Antigo Testamento é continuamente percorrido por essas linhas de fuga, linha de separação da terra e das águas.

[Diálogos (tradução de Eloisa Ribeiro), p. 53-54]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009


Fui buscar uma correspondência pictórica pro texto garimpado do Murilo Mendes / encomendado pela Irene / e escolhi, sempre, o óbvio: Ismael Nery, o pintor-amigo, o filósofo-profeta. Apesar do paradoxo. Era assim que Murilo o lia. (Não localizei as referências desta tela.)



A baleia Murilo Mendes


A baleia é um cetáceo da família dos Balenídeos de forma quadradoredonda, cor de burro quando foge. Quem descobriu os abismos da baleia, animal bárbaro, barbado?

A baleia: auto-suficiente, melvilleana, inexpugnável.

A baleia caminhou três dias e três noites no oco de Jonas, restituindo assim a visita que o profeta fizera anteriormente ao seu próprio oco. A baleia aprofundou-se: viu, ouviu, cheirou histórias de arrepiar, coisas espantosas deste e do outro mundo, que os profetas sabidos conhecem, ruminam, difundem entre os homens e os bichos. Coisas, histórias rodando, evoluindo através dos tempos, elucidativas, oportunas em qualquer circunstância da vida individual ou universal.
Desde então a baleia, movida a óleo de autopropulsão, se auto-informa, se auto-espanta e não se comunica com pessoa alguma ou bicho. Construiu seu automuro. Reina soberana, sem vizinho ou confronto, sobre os mares e os mores, excluindo-se voluntariamente da carta das rações.
In illo tempore, quando tomei conhecimento da história de Jonas, sonhava em construir um moderno arpão para aferrar a baleia. Consultei a propósito um amigo de casa, o engenheiro Povoa. Ele, conversando com meu pai, disse que eu estava nos arredores de perder o juízo: “É alarmante essa preocupação contínua do seu filho com arpão e baleia”.
Ingênuo engenheiro Povoa: ignorava que tudo é alarmante; que todas as coisas são alarmantes; por sinal que a baleia não é das mais.

A aorta da baleia é maior no calibre do que o tubo maior do sistema de encanamentos de Londres, e a água que ruge na passagem de tal tubo é inferior em ímpeto e velocidade ao sangue que jorra do coração da baleia.
(Poley, citado por Melville).


Poliedro (Roma 1965/66), 1972

domingo, 25 de janeiro de 2009


apesar do trocadilho toscamente tentador, da cor da pele (em tons distintos) e da posição investida de montes de expectativas, não concordo com a faixa Barack Obina: sempre vi na estatura do Kaká um futebol mais democrático e parecido com Obama, apesar do seu dogmatismo religioso extra-campo ganhar alguma dose de comicidade pela sujeição ao pensamento de ervilha do casal da Igreja Renascer. (talvez tanto quanto o comunismo ortodoxo de artistas incríveis como Oscar Niemeyer e Chico Buarque.) pra que se veja, nestes três casos, a autonomia em relação ao pensamento que a arte pode assumir. // / Kaká já está em posição democrática: ele é o que distribui a bola, mas sem caridade; inteligência que produz jogadas, conjuga um alto domínio de diversas áreas técnicas do futebol (chute, toque, velocidade, drible, produção de malogros táticos do outro time a partir da aplicação tática do seu próprio), não é um matador (o Bush-atacante que não perde chance de guerrear e golear?) nem Chilavert (aquele elemento de alto risco que se infiltra como um igual (fora da área é um jogador como outro qualquer) mas que, ao fazer um gol, revela a surpresa de sua inesperada e sempre em suspeita capacidade com os pés: homem-bomba?), além de ser um jogador-imigrante que adquire uma imagem extra-campo muito respeitada na Europa, coisa que não aconteceu com outros super-craques o tempo todo, como com os Ronaldos. / // não curti tanto a imagem futebolística do homem-bomba, estou à procura de uma melhor. // // Tostão ainda não falou de Obama, nem Antonio Cicero de Kaká, que eu saiba, mas vai o tExTo deSTe sOBRe aQuELe, com a comparação Obama-Pollock que faço (com Lavender mist: number 1, de 1950) e sonhando uma imagem que pintasse em cores diferentes o caminho percorrido em campo por cada jogador numa partida de futebol, imagem pollockiana.

sábado, 24 de janeiro de 2009


14. A poesia tem dois sentidos: um de rotação e outro de translação.

pedra pensada de Adolfo Montejo Navas / a capa do livro é do Waltércio Caldas: não resisto à obviedade de imaginá-lo como correspondência visual da inscrição 14 com anti-sonhos (1975) / /// //