
Fui buscar uma correspondência pictórica pro texto garimpado do Murilo Mendes / encomendado pela Irene / e escolhi, sempre, o óbvio: Ismael Nery, o pintor-amigo, o filósofo-profeta. Apesar do paradoxo. Era assim que Murilo o lia. (Não localizei as referências desta tela.)
A baleia Murilo Mendes
A baleia é um cetáceo da família dos Balenídeos de forma quadradoredonda, cor de burro quando foge. Quem descobriu os abismos da baleia, animal bárbaro, barbado?
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A baleia: auto-suficiente, melvilleana, inexpugnável.
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A baleia caminhou três dias e três noites no oco de Jonas, restituindo assim a visita que o profeta fizera anteriormente ao seu próprio oco. A baleia aprofundou-se: viu, ouviu, cheirou histórias de arrepiar, coisas espantosas deste e do outro mundo, que os profetas sabidos conhecem, ruminam, difundem entre os homens e os bichos. Coisas, histórias rodando, evoluindo através dos tempos, elucidativas, oportunas em qualquer circunstância da vida individual ou universal.
Desde então a baleia, movida a óleo de autopropulsão, se auto-informa, se auto-espanta e não se comunica com pessoa alguma ou bicho. Construiu seu automuro. Reina soberana, sem vizinho ou confronto, sobre os mares e os mores, excluindo-se voluntariamente da carta das rações.
In illo tempore, quando tomei conhecimento da história de Jonas, sonhava em construir um moderno arpão para aferrar a baleia. Consultei a propósito um amigo de casa, o engenheiro Povoa. Ele, conversando com meu pai, disse que eu estava nos arredores de perder o juízo: “É alarmante essa preocupação contínua do seu filho com arpão e baleia”.
Ingênuo engenheiro Povoa: ignorava que tudo é alarmante; que todas as coisas são alarmantes; por sinal que a baleia não é das mais.
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A aorta da baleia é maior no calibre do que o tubo maior do sistema de encanamentos de Londres, e a água que ruge na passagem de tal tubo é inferior em ímpeto e velocidade ao sangue que jorra do coração da baleia.
(Poley, citado por Melville).
A baleia é um cetáceo da família dos Balenídeos de forma quadradoredonda, cor de burro quando foge. Quem descobriu os abismos da baleia, animal bárbaro, barbado?
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A baleia: auto-suficiente, melvilleana, inexpugnável.
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A baleia caminhou três dias e três noites no oco de Jonas, restituindo assim a visita que o profeta fizera anteriormente ao seu próprio oco. A baleia aprofundou-se: viu, ouviu, cheirou histórias de arrepiar, coisas espantosas deste e do outro mundo, que os profetas sabidos conhecem, ruminam, difundem entre os homens e os bichos. Coisas, histórias rodando, evoluindo através dos tempos, elucidativas, oportunas em qualquer circunstância da vida individual ou universal.
Desde então a baleia, movida a óleo de autopropulsão, se auto-informa, se auto-espanta e não se comunica com pessoa alguma ou bicho. Construiu seu automuro. Reina soberana, sem vizinho ou confronto, sobre os mares e os mores, excluindo-se voluntariamente da carta das rações.
In illo tempore, quando tomei conhecimento da história de Jonas, sonhava em construir um moderno arpão para aferrar a baleia. Consultei a propósito um amigo de casa, o engenheiro Povoa. Ele, conversando com meu pai, disse que eu estava nos arredores de perder o juízo: “É alarmante essa preocupação contínua do seu filho com arpão e baleia”.
Ingênuo engenheiro Povoa: ignorava que tudo é alarmante; que todas as coisas são alarmantes; por sinal que a baleia não é das mais.
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A aorta da baleia é maior no calibre do que o tubo maior do sistema de encanamentos de Londres, e a água que ruge na passagem de tal tubo é inferior em ímpeto e velocidade ao sangue que jorra do coração da baleia.
(Poley, citado por Melville).
Poliedro (Roma 1965/66), 1972