sábado, 25 de dezembro de 2010

para completar um e-mail

Trecho inicial de Cantileno (2000), de Maria Gabriela Llansol


Eis aqui a rua e a voz estranha que me escreve.

Nas minhas frases, rua
é um campo magnético-vibrante, não passagem multímoda que, a cada momento, transforma o visível em menos evidente.

Eu escrevo esse lugar secreto de repulsa e de atracção, onde nada se cruza
tudo gira, tudo e nada são apenas libidos se experimentando.

É na grande cidade e nessa rua que procuro onde começa a voz dela a brotar corpo e libido, e nem sempre encontro onde, mas em sonhos minhas imagens já a viram muitas vezes jorrando, a borbulhar de emoção fria e firme,
com o fio da vida preso às asas

minhas imagens? Olhai como se lançam inadvertidamente da janela da frase,
_________ uma impulsão suave as leva; voam, sem medo de cair, rodopiam, em bandos ou sozinhas,
pombas? Sim, como pombas ou papagaios de papel, podeis ler,
e regressam às frases, sãs e salvas;
trazem-se escrita
aquela-que-vê-não-se-vê, e eu escrevo
sou sua prótese,
o se desse olhar.
O se? Sim, observações pertinentes e indeléveis que, passo a passo, a fazem crer que
rua e caminho
são meras coincidências,
só há caminho no vasto universo das minhas imagens.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Adolfo Bioy Casares fala

Adolfo Bioy Casares: Trechos da entrevista para o Roda Viva, 28/08/1995

1. Não gosto muito de literatura fantástica

Você dirá: “Que raro, ele não gosta de literatura fantástica.” Sim, não gosto muito. A minha imaginação funciona assim. Meu ideal seria escrever um romance sem nada fantástico, mas, até agora, não consegui.


2. Biorges

Bioy, a relação Bioy e Borges foi cristalizada pelo crítico Rodríguez Monegal com aquilo que ele denominou “Biorges”.


3. Pinocchio

Augusto Massi: O senhor, quando adolescente, menino, que livros o senhor leu que o marcaram e o levaram a essa opção? Ou foi uma opção madura, já da idade adulta?

Bioy Casares: Os livros que li, sobretudo a história de Pinocchio [As aventuras de Pinóquio, clássico infantil de Carli Collodi, pseudônimo do escritor italiano Carlo Lorenzine (1826-1890)], o boneco que falava e se comportava como um homem. Possivelmente, isso me encaminhou em direção às invenções fantásticas.


4. Fotógrafo

Jorge Schwartz: Bioy, mais uma pergunta. Eu acho que existe um Bioy Casares desconhecido para o público que é o Bioy Casares fotógrafo. Você poderia falar um pouco disso?

Bioy Casares: Sim, sempre gostei de fotografia. Quando comecei a fotografar, a fotografia me absorveu. Durante 10 anos, fotografava o dia todo muitas vezes. De noite, já não pensava mais no conto e, sim, na fotografia que iria tirar amanhã.

Jorge Schwartz: Em que época foi isso?

Bioy Casares: Eu creio que foi entre os anos 50 e 60. Meu passado é bastante confuso, não poderia delimitá-lo de modo claro, mas acho que fotografei bastante bem. Lamento não continuar fotografando, mas, não se pode fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo.


5. Literatura e cinema

Me espanta que haja muita relação entre a literatura argentina e o cinema. Em geral, não gosto muito do cinema argentino. Por outro lado, é verdade que gosto muito dos grandes filmes americanos. Mas, não diria que mais que dos grandes filmes italianos, dos grandes filmes ingleses e de muitos filmes, comoMacumba [Sexual, de 1981], que são tão bons quanto os filmes americanos. Não gosto é do cinema de vanguarda, do cinema de cinemateca. Gostaria que de algum texto meu fizessem um filme, que as pessoas fossem ver nos sábados e domingos com a família e que se divertissem muito. Mas, os filmes que não divertem ninguém são construção de pessoas muito egoístas, que só pensam em si, como são os filmes de cinemateca, que não me interessam nada.


6. Vanguardas

Jorge Schwartz: Bioy, você fala com certa resistência sobre vanguarda.

Bioy Casares: Sem nenhuma. Falo abertamente contra a vanguarda. Acho que foi uma catástrofe na história da cultura, da qual estamos nos recuperando um pouco. Essa modernidade é o que de mais antigo pode haver, mas antigo em um sentido péssimo. É algo que temos que superar.

Jorge Schwartz: Agora, veja, na sua extraordinária Antologia da literatura fantástica, que você fez com a Silvina e com o Borges, você coloca 2 textos do James Joyce, 2 fragmentos de Ulisses [de James Joyce, obra de 1922], 2 textos do Ramon Lacerna, um grande vanguardista, e do Macedónio Fernandez [(1874-1852)]. Quer dizer, a vanguarda está representada.

Bioy Casares: Creio que Joyce é um dos maiores escritores que existiram. Mas Ulisses é uma catástrofe na história da literatura [risos].

Rinaldo Gama: Em que sentido é uma catástrofe?

Bioy Casares: Porque acho que as pessoas começaram a escrever livros confusos e achavam que a obscuridade de Ulisses era um mérito, quando era um defeito. Eu diria que o gênio de Joyce se revela em frases, momentos, em cenas graciosas, maravilhosamente realizadas, e que ninguém mais poderia realizar. Mas, escrever um livro assim é dar um mau exemplo. E esse exemplo foi seguido por muita gente.