quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

[é bom não querer um poema que diga tudo, não querer um poema que seja bom, mas, antes, um poema em que se reconheça, sem perder a manha e o prazer de jogar com as palavras.]


louco, amar, mas ir com tudo,
mil e mais braçadas de mar
vencidas, contudo nada
além da pele fresca ao sol
fica de uma fresta de mulher.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009


segue a saga: Jonas e a baleia. um poema de augusto de campos, de 1990: cançãonoturnadabaleia. (aliás, ao q google consta, esta é a primeira postagem pública deste poema.) um fragmento de gilles deleuze, de 1977, em da superioridade da literatura anglo-americana. (a baleia segue errante / agora falante / / a sua perspectiva.)
Sempre há traição em uma linha de fuga. Não trapacear à maneira de um homem da ordem que prepara seu futuro, mas trair à maneira de um homem simples, que já não tem passado nem futuro. Trai-se as potências fixas que querem nos reter, as potências estabelecidas da terra. O movimento da traição foi definido pelo duplo desvio: o homem desvia seu rosto de Deus, que não deixa de desviar seu rosto do homem. É nesse duplo desvio, nessa distância dos rostos, que se traça uma linha de fuga, ou seja, a desterritorialização do homem. A traição é como o roubo, ela é dupla. Fizeram de Édipo em Colônia, com sua longa errância, o caso exemplar do duplo desvio. Mas Édipo é a única tragédia semita dos gregos. Deus que se desvia dos homens, que se desvia de Deus, é antes de tudo o tema do Antigo Testamento. É a história de Caim, a linha de fuga de Caim. É a história de Jonas: o profeta se reconhece pelo fato de tomar a direção oposta àquela que Deus lhe ordena, e com isso realiza a ordem de Deus melhor do que se tivesse obedecido. Traidor, ele tomou o mal sobre si. O Antigo Testamento é continuamente percorrido por essas linhas de fuga, linha de separação da terra e das águas.

[Diálogos (tradução de Eloisa Ribeiro), p. 53-54]

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009


Fui buscar uma correspondência pictórica pro texto garimpado do Murilo Mendes / encomendado pela Irene / e escolhi, sempre, o óbvio: Ismael Nery, o pintor-amigo, o filósofo-profeta. Apesar do paradoxo. Era assim que Murilo o lia. (Não localizei as referências desta tela.)



A baleia Murilo Mendes


A baleia é um cetáceo da família dos Balenídeos de forma quadradoredonda, cor de burro quando foge. Quem descobriu os abismos da baleia, animal bárbaro, barbado?

A baleia: auto-suficiente, melvilleana, inexpugnável.

A baleia caminhou três dias e três noites no oco de Jonas, restituindo assim a visita que o profeta fizera anteriormente ao seu próprio oco. A baleia aprofundou-se: viu, ouviu, cheirou histórias de arrepiar, coisas espantosas deste e do outro mundo, que os profetas sabidos conhecem, ruminam, difundem entre os homens e os bichos. Coisas, histórias rodando, evoluindo através dos tempos, elucidativas, oportunas em qualquer circunstância da vida individual ou universal.
Desde então a baleia, movida a óleo de autopropulsão, se auto-informa, se auto-espanta e não se comunica com pessoa alguma ou bicho. Construiu seu automuro. Reina soberana, sem vizinho ou confronto, sobre os mares e os mores, excluindo-se voluntariamente da carta das rações.
In illo tempore, quando tomei conhecimento da história de Jonas, sonhava em construir um moderno arpão para aferrar a baleia. Consultei a propósito um amigo de casa, o engenheiro Povoa. Ele, conversando com meu pai, disse que eu estava nos arredores de perder o juízo: “É alarmante essa preocupação contínua do seu filho com arpão e baleia”.
Ingênuo engenheiro Povoa: ignorava que tudo é alarmante; que todas as coisas são alarmantes; por sinal que a baleia não é das mais.

A aorta da baleia é maior no calibre do que o tubo maior do sistema de encanamentos de Londres, e a água que ruge na passagem de tal tubo é inferior em ímpeto e velocidade ao sangue que jorra do coração da baleia.
(Poley, citado por Melville).


Poliedro (Roma 1965/66), 1972

domingo, 25 de janeiro de 2009


apesar do trocadilho toscamente tentador, da cor da pele (em tons distintos) e da posição investida de montes de expectativas, não concordo com a faixa Barack Obina: sempre vi na estatura do Kaká um futebol mais democrático e parecido com Obama, apesar do seu dogmatismo religioso extra-campo ganhar alguma dose de comicidade pela sujeição ao pensamento de ervilha do casal da Igreja Renascer. (talvez tanto quanto o comunismo ortodoxo de artistas incríveis como Oscar Niemeyer e Chico Buarque.) pra que se veja, nestes três casos, a autonomia em relação ao pensamento que a arte pode assumir. // / Kaká já está em posição democrática: ele é o que distribui a bola, mas sem caridade; inteligência que produz jogadas, conjuga um alto domínio de diversas áreas técnicas do futebol (chute, toque, velocidade, drible, produção de malogros táticos do outro time a partir da aplicação tática do seu próprio), não é um matador (o Bush-atacante que não perde chance de guerrear e golear?) nem Chilavert (aquele elemento de alto risco que se infiltra como um igual (fora da área é um jogador como outro qualquer) mas que, ao fazer um gol, revela a surpresa de sua inesperada e sempre em suspeita capacidade com os pés: homem-bomba?), além de ser um jogador-imigrante que adquire uma imagem extra-campo muito respeitada na Europa, coisa que não aconteceu com outros super-craques o tempo todo, como com os Ronaldos. / // não curti tanto a imagem futebolística do homem-bomba, estou à procura de uma melhor. // // Tostão ainda não falou de Obama, nem Antonio Cicero de Kaká, que eu saiba, mas vai o tExTo deSTe sOBRe aQuELe, com a comparação Obama-Pollock que faço (com Lavender mist: number 1, de 1950) e sonhando uma imagem que pintasse em cores diferentes o caminho percorrido em campo por cada jogador numa partida de futebol, imagem pollockiana.

sábado, 24 de janeiro de 2009


14. A poesia tem dois sentidos: um de rotação e outro de translação.

pedra pensada de Adolfo Montejo Navas / a capa do livro é do Waltércio Caldas: não resisto à obviedade de imaginá-lo como correspondência visual da inscrição 14 com anti-sonhos (1975) / /// //