Neste mês, o
jornal Rascunho traz uma entrevista com Ferreira Gullar, realizada pelo seu editor Rogério Pereira, e uma lúcida resenha (como sempre) de Marcos Pasche do livro
Em alguma parte alguma (José Olympio, 2010). Há também uma resenha do Igor Fagundes, que gostei de ler ali. Uma boa surpresa foram os sete poemas novos de Age de Carvalho, um poeta que admiro, por muitos motivos. Não só pela imagem que guardo dos tão bons poetas paraenses e seu
construtivismo filosófico (para usar uma imagem ainda capenga que teimo em preservar), com Mário Faustino, Max Martins, Age e Vicente Franz Cecim (entre outros ainda não lidos, como Sérgio Wax), mas também pelo jeito muito próprio, tenso e tipográfico, de o Age fazer os poemas. Fora muitos dos seus temas originais, como a série de cinco poemas em torno de uma trombose na perna, de
Caveira 41 (Cosac, 7letras, 2003). Deixo aqui, sem direito, mas desejando divulgar, um dos novos.
ÚLTIMOS DIAS DE PAUPÉRIA
No chão do sonho
dormes na cozinha,
calça ruça-mostarda,
bolsa surrada de camurça
sob a nuca, voltada para Oeste,
onde faz semprenunca
lá fora,
de sábado a sábado -
é aqui,
agora, à boca dos fornos
onde
comes, cospes,
despertas ainda
sob a luma lugente
para o dia nenhum,
uma moeda de verdade contigo,
deitada,
a boca de lado.
Não acorda:
são teus últimos dias.
O que não quer
dizer nada -
o que
por si
só
já seria
o em-si do assunto
enquanto lavas
teu prato
e vês sentido
nisso.